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atelier de domesticação de demónios

caderno de variações sobre dores em dó menor, por O Marquês. 

31.10.07


aquela máquina. era uma máquina sem dono e sem função reconhecida ou útil, um mecanismo adiposo que exercia um fascínio difícil de explicar. o mais aproximado que pode ser invocado para aclarar o caso é o efeito de uma espécie de magnetismo orgânico, que atraía vigorosamente a carne. sem domínio, o corpo cedia. a resistência era impossível. o corpo era arrastado, inteiro ou parcelarmente, até à máquina. uma vez tangida, o corpo era envolvido pela máquina, dentro da qual era destroçado, literamente destroçado, por uma força centrífuga brutal, para garantir a sua lubrificação. após cada corpo, porque a máquina não podia parar, sucedia outro.

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30.10.07


hell privé. o sangue compactado numa haste da carne. a força concentrada num ponto, para além da aliança. o arrombo até aos rins. a continuação. os corpos nunca aliados. um que geme, magoado, servido por movimentos bruscos de possessão, não pelo ritmo balanceado do outro. a sensação de alojamento e aconchego naqueles rins. a continuação. o plano fundo dos rins maçado. o pénis também, porém modo baioneta. os corpos como sólidos, sem renúncia a si. uma ferida aberta. mais. mais. mais. mais. mais. mais. mais. mais ainda. o impacto. a continuação. a continuação da força, do impacto, do rasgo. os corpos sem cedência, um em conquista, o outro inclinado, em recusa. aí a dor sem consolo, sem esquiva. ali um corpo sem remorso, aquele. a colonização. as marcas imprimidas no outro, as equimoses. a força exposta. o derrame e o odor da conjura. o domínio fechado. o fim. a continuação. e tudo isto ainda não lhe é memória porque é o que está a acontecer-lhe.

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27.10.07


sopa com requiem. acordou sem acordar - como é que se explica isto?, não se explica: levantou-se, ponto final. levantou-se perturbada, a julgar que o requiem era uma espécie de pó para acrescentar à sopa, para a tornar mais espessa. havia gengibre e uma faca sobre a bancada da cozinha. havia outros ingredientes também, porém não interessa a sua discriminação, por ser fastidiosa. a faca sobressaía, lâmina larga e romba, sem brilho. já tinha ido à amazónia e voltado e lá, quando a fome apertou, serviu para amanhar sapos e macacos, que foi o que se conseguiu arranjar para a dieta. mas agora a faca estava ali, posta como morta. não, o requiem não é bem uma espécie de pó, é mais uma espécie de caldo knorr, para temperar a sopa. eles famintos e eu angustiada, sussurrou para si. contornou a bancada, olhou outra vez para os ingredientes, mais próxima. batatas, cenoura, cebola, azeite, sal, gengibre... calou-se e assentou as mãos sobre o bordo da bancada, com os polegares encontrados, e deixou a cabeçar pender, como se estivesse extenuada. não estava. não me apetece fazer sopa, não vou fazer sopa, determinou. pegou a faca, sentiu o rebite mal cravado do seu cabo, e afundou-a no peito. não gritou, não gemeu, nada. retirou a faca, pousou-a sobre a tábua, colocada no limite da bancada, imediatamente ao lado do fogão. um golfo de sangue saiu de si, precipitando-se sobre o fogão, atingindo também a panela sobre ele. depois outro golfo, mais outro e mais outro ainda, ao ritmo da sua respiração. baixou-se e estendeu-se no chão. sob ela havia já uma mancha grená líquida alastrada. o requiem... hoje... o requiem... não vou fazer sopa... o requiem... com gengibre, disse. as últimas sílabas foram pronunciadas com demora e cortadas, como se ela segredasse à morte a sua decisão.

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26.10.07


reclamação por extenso. diziam as línguas supersticiosas dali que o restolhar e o estremecimento da terra sentidos durante algumas das últimas madrugadas mais enevoadas correspondiam ao arrasto do diabo pelo chão. que era assim porque sobre ele pesava a culpa da gravidez de uma das moças castas do lugar. que ela estava de esperanças embora nenhum homem alguma vez se lhe tenha chegado, afiançava e atestava o pai dela por penhor de honra sua, pelo que, se ela estava como estava e deus providencia virtude apenas, a respectiva prenhez só podia ser empreitada do mafarrico. e que, porque o pai e a mãe da cachopa rogaram tal praga ao demónio, praga com patrocínio divino e intercedência celeste, eram os cornos da besta, posta cabisbaixa, a lavrarem fundo e às cegas, sem luz ou orientação, que provocavam aquele pandemónio nocturno. provariam esta teoria os sulcos e os regos que muitas vezes foram encontrados no dia seguinte nalgumas parcelas de terra perto, sem que alguém as tivesse lavrado. que nem formão nem enxada haviam conhecido tais chãos na véspera ou antes. porém, na verdade, o diabo nada tem a ver com o fenómeno. foi um tolo, que passa os dias a aperfeiçoar a caligrafia e o ofício de matar, uma espécie de sniper local, que explorou a crendice do lugar, incentivando a disposição dos seus vizinhos a ver o ofício do diabo em tudo quanto os incomoda ou prejudica. o que ele fez foi movimentar os vagões da mina que antigamente existia naquele local e que à qual todos os outros julgavam já não haver acesso desde a derrocada acontecida há mais de trinta anos. para além disto, à superfície de alguns terrenos próximos ele arrojou uns ferros, para dar aparência de ter passado algo estranho por ali. mas não foi ele que engravidou a moça. daí que, condicionado a sazão, tenha resolvido esventrá-la. foi assim que ela foi encontrada ontem, com o bucho revirado e as tripas expostas, desenhando em caligrafia impecável a mensagem «o autor disto não se chama diabo».

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24.10.07


spleen reset, i. o modo como se vestia, a blusa e as calças justas, e caminhava, as pernas jogadas como se estivesse na passarelle, acentuava-lhe a silhueta, o corte curvilíneo do corpo. a blusa e as calças bastante justas. não sirvo para esta vida agarrada e ridícula, mereço mais, pensou ela e surpreendeu-se com o seu pensamento, no instante em que se cruzou com um par de jarretas, que se desviou para ela passar. imagina-a quando chegar à idade da madame Bovary, disse um para o outro. ela ouviu o comentário trocado pelos velhos, mas fingiu não ter percebido a provocação. prosseguiu, testemunhada à distância por eles, agora parados no passeio, a contemplar o afastamento do corpo que os havia perturbado. a vida deve ser absurda e obscena, devemos ter a prerrogativa de nos libertar da espécie, da sua mediocridade, da normalidade, do regime de ser sem palpitação, sem ruído, sem mal, continuou ela a pensar. entretanto susteve os passos. colocou as mãos nos bolsos de trás dos jeans. parecia estar a meditar. e estava. os homens são animais fracos, incapazes de superar a sua condição de mamíferos. nunca esquecem que mamaram. quando vêem uma mulher, esse facto atraiçoa-os. é sempre assim, não conseguem disfarçar. nem a velhice lhes lava a memória da mama. deve ser um fenómeno somático. entretanto virou-se, para enfrentar os homens que a miravam. olha para aquilo, os cabrões dos velhos a babarem-se, como se fossem crianças. o mais tímido bateu duas, três vezes a bengala no chão e retomou o ritmo trôpego, começando a andar. embora, a puta topou-nos. o outro, resignado, seguiu-o.

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22.10.07


chegar ao ceo. Miquelina andava abúlica. era já caso de dias e dias, marcado por oscilações de humor, surtos de impaciência e suores frios. ao fim de duas semanas, como o triturador de papel novo, com maior capacidade de destruição, tardava em chegar, ela decidiu vingar-se. num dos dias seguintes foi notícia a tortura do presidente do conselho de administração de uma empresa famigerada. foram-lhe amputados quatro dedos, os polegares e os indicadores. ao pénis sucedeu o mesmo. tudo esmagado e destroçado na máquina de triturar papel que equipava o gabinete do sujeito, modelo igual ao da que era esperada no departamento administrativo. Miquelina tinha uma afeição extremosa - pode considerar-se obsessiva, mesmo - ao algarismo cinco.

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19.10.07


a aproximação de Salomé ao idílio. a brisa cálida, que veio vingar a chuvada, já tinha desaparecido. aconteciam as primícias da noite. é quase hora de jantar, vem. o tempo foi passando. quando entrou em casa, ele segurava as chaves na mão suada. olá, disse com a voz quase calada pela rouquidão. por que vens tão tarde?, o que há para jantar?, as perguntas dela e dele, respectivamente, interceptaram-se, vibrando uma na outra. ele pousou as chaves no móvel do hall de entrada. vens com muito apetite?, quis ela saber. ele dominou o telecomando e ligou o televisor. por acaso estou com fome, disse, continuando sem justificar o atraso. ela elevou a voz, fiz arroz de carqueija, para acompanhar o lombo assado, para superar o ruído provocado pelo exaustor da cozinha. ele demorou a reagir, sim, serve, pode ser. depois dirigiu-se à casa de banho, onde foi lavar as mãos. No regresso, no instante em que ela saía da cozinha, levando na mão a travessa com o lombo, encontraram-se. ela pousou a travessa sobre a mesa. ele puxou a cadeira para sentar-se. antes beijaram-se. ela tornou à cozinha para ir buscar o arroz. no instante ao passar o limiar da porta da sala, ainda não me disseste por que é que chegaste tão tarde, João, insistiu na interpelação. não comeces, retorquiu ele em tom ríspido, agravado pela rouquidão. não precisas ser bruto, só queria saber se aconteceu alguma coisa, mais nada, não costumas atrasar-te sem motivo, fingiu ela a curiosidade em cuidado, ao mesmo tempo que assentou o arroz ao lado da travessa com o lombo. não, Salomé, nada aconteceu, atrasei-me, só isso. serviram-se e começaram a comer em silêncio. ouvia-se o som do televisor. a soturnidade da cena foi interrompida apenas por uma declaração dela, acho que vou fazer mioleira para amanhã. ele olhou-a com indiferença. com esparregado, gostas de esparregado, não gostas?, acho que com esparregado combina bem.

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17.10.07


o idílio de Salomé. deus é um lugar estrangeiro, demasiado afastado da minha fronteira, tão afastado que não sei se existe, murmurou ela, ao mesmo tempo que imaginou-se a decapitá-lo, a agarrar a cabeça decepada, a livrar-se da pasta encefálica através da cavidade occipital e a remover todos os tecidos envolventes da cabeça, para, limpa, colocá-la no congelador, ao lado da caixa de häagen-dazs com cookies & cream.

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11.10.07


o crepúsculo dos cabrões velhos. Fausto fechou o livro que tinha nas mãos, guardou-o no alforge, pegou no cajado, de que se socorreu para levantar-se, e assobiou. o rebanho convergiu lentamente em sua direcção, demora que ele aproveitou para concertar a samarra. ao aproximarem-se as primeiras reses, ele iniciou a caminhada, conduzindo-as até ao limite do pasto, encontrado com a fraga do planalto. o caminho pedregoso obrigou-o a um estirão demorado e difícil. não obstante o sol estivesse baço e aquelas serranias não fossem território onde costumassem elementos amenos, ele transpirou. os pés incharam-lhe dentro das botas. ainda assim não deteve qualquer passo e prosseguiu, em andar sem descanso. ao acercar-se do despenhadeiro, abrandou a marcha. no cabo do planalto, dois passos antes do abismo, deteve-se. pode dizer-se que é definitivo, o fim. que, como tudo, finda, termina acabando, sem remissão. e que depois já não é o que era, é o que é. é assim com todas as coisas. será assim também convosco. Fausto pronunciou estas palavras como uma espécie de prece e de exortação às peças de gado, que, nada as sustendo, precipitaram-se para o sacrifício. o rebanho foi aniquilado por respeito a um protocolo cruel de celebração da vida, entendido como exigência divina. naquele arrabalde do mundo julgavam que a liquidação das catorze reses velhas - e a consequente preservação exclusiva das mais novas - garantir-lhes-ia a fertilidade das cabras no próximo cio. porém, visto sem escrúpulo antropológico, tal acontecimento é produto de amência, apenas e só. mas os factos são o que são. pelo que, depois, sozinho, sem qualquer cabrão velho como companhia, ele desceu para a aldeia, onde era aguardado para a glorificação final. na aldeia não sabiam é que a natureza já estava a providenciar uma moléstia, nunca diagnosticada por ali, que viria a dizimar todos os exemplares machos da espécie antes da época de cobrição.

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10.10.07


êxodo. era um terrorista muito terrorista, o mais terrorista que possa conceber-se. talvez até mais do que isso, porque no seu currículo constava a devoção a Charles Lee Ray (depois Chucky e abonecado), Freddy Krueger, Jason Vorhees e Michael Myers. era um terrorista solitário, sem ismo e sem soldo, terrorista por convicção e mais nenhuma tinha, facto que o fazia não apenas ímpar mas também o mais temido dos terroristas. durante muito tempo gizou o seu plano, porém apenas depois de ter despistado um conjunto significativo de hipóteses sobre o modo como o concretizar. decidiu fazer explodir uma cidade, usando um dispositivo nuclear. ansioso, avisou a população sobre o seu intento, para poder testemunhar o alvoroço. era uma questão de perfeccionismo. não lhe bastava induzir temor aos outros, sobreviventes, a viver nas outras localidades. ele necessitava também de provocar e provar o medo daqueles que iria vitimizar. por isso propagandeou a sua intenção bastante antes do instante da explosão. quando a explosão aconteceu nenhuma pessoa estava na cidade. mas, como uma epidemia, o terror estava disseminado por muitos dos outros lugares. a população daquela cidade, hospedeira do medo, contaminou a segurança dos outros que os acolheram, num efeito de cadeia, com progressão geométrica. o pavor tornou-se o nome da ecúmena. o terrorista, esse, tranquilo, entreteve-se a comer pão torrado barrado com manteiga.

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3.10.07


suite. a besta que te fareja a ferida e persegue, atraída pela seiva doce e cálida vertida da tua carne, já trepa a escada. como se fosse um fantasma, sem perturbar a quietação do hotel, sobe e aproxima-se da porta do quarto onde tentas o bálsamo para o golpe que levaste. sangras e o perfume do sangue é-lhe um apelo demasiado forte. nada a deterá. ainda assim, para evitar denunciar-se, a besta modera a respiração, abafa-a tanto quanto pode. é grande a necessidade de não comprometer-se. ela sente-a. calcula o avanço, de modo a que o ataque que prepara seja sem aviso. há uma honestidade estranha no seu movimento. a porta está fechada, o avanço é lento. esta é a tua última oportunidade. depois, porque prevalece a aristocracia das espécies, serás sem amparo. verás tarde demais o assalto, apenas quando já sem hipótese de esquiva ou evasão. ouvirás a respiração que se precipita sobre o teu pescoço, sem tempo para gritares. o teu sangue chama-a.

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2.10.07


exercício de compreensão. por sofrer deveras, por conta sua e dos outros, o enteado do carpinteiro andava cansado. ser profeta é tolerável, dizem-se umas frases bonitas, contam-se umas parábolas, fazem-se uns números de ilusionismo - a multiplicação de víveres escassos, o alívio de moléstias de foro vário ou a ressurreição de mortos resultam sempre -, e as pessoas exultam e bradam aleluias. mas ser mártir, isso, cansa. cansado por sofrer, porém obstinado com uma missão dolorosa e fatal - redimir todos os pecados do mundo -, missão que ninguém lhe havia atribuído, ele decidiu comparecer a uma consulta de um especialista em maleitas da cabeça, para ver se havia reparação para o seu mal. levou credencial, foi à vaga. e o diagnóstico do seu mal foi ditado nestes termos, existe em si mais alguém - outrem, pode dizer-se. não é gravidez, é grave apenas. o resto da história, já se sabe, foi a confirmação de tal gravidade.

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2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).