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atelier de domesticação de demónios

caderno de variações sobre dores em dó menor, por O Marquês. 

31.12.04


dores. dores de ontem que são também as de amanhã e sempre. e nelas a felicidade de, brutamente pelos outros, revelar o mundo.

referência

29.12.04


o amante. ele olhou para dentro de si. percebeu aí um vulto. como é que te chamas?, perguntou ele ao vulto. chamo-me amor, respondeu-lhe o vulto. é por isso que te vou matar, informou ele, antes de meter as mãos no seu próprio corpo e rasgar-se, tentando libertar a dor, livrando-se do vulto. mas a dor não se liberta assim.

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23.12.04


o presépio voodu. algo, um impulso de vontade e raiva, a obrigou a arrancar a cabeça à figura do pai do menino jesus. o josé carpinteiro que mais próximo estava do lugar onde foi montado o presépio apareceu subitamente decapitado. corpo para um lado, cabeça para o outro, como se houvesse sido esta arrancada por uma força bruta. inexplicável, é o que julgam os incrédulos de causas misteriosas.

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16.12.04

natividade. a anunciação segundo m., o segundo escrivão dos factos. havia josé, filho de jacob, exímio manipulador de pau e madeira, caído em amores por maria. falaram-se e, por lhes arder um incêndio que não é de ver, prometeram-se aos esponsais. antes de o matrimónio acontecer, continuou josé nas suas artes de amanho do pau, a tratar do que um carpinteiro trata. e também maria continuou nos seus rengorrengos da vida, a ser cachopa. um dia, porém, por mistérios que não são da natureza, achou-se ela prenha. conta-se que a nenhum homem consentiu ela o desfrute de si, pois que, pia e casta, se guardava para na ocasião das núpcias ser estreada por josé. mas, mesmo assim, sem trucatruca, maneira pela qual até os bichos do mato se estendem feitos outros para o futuro, certo é que se pôs a germinar no útero de maria uma flor que haveria fazer-se fruto gente. a nova incomodou, como é de incomodar homem que se preze de homem ser, josé. mas, bom que era, embora se imaginasse traído e apenas isso, cuidou ele, por amor e justiça de jeito, nada publicitar e afastar-se sem estrépito, poupando, assim, maria, que não era diamante, à lapidação. combalido, ao juízo de josé assomaram mil e mais congeminações e ideias, sem que ele conseguisse alcançar como podia estar de esperanças maria. como era possível inchar-lhe no ventre uma vida nova?, se ninguém lhe injectou com frémito o seu branco sangue, o seminal sangue com que se fazem os herdeiros. nada dizem as crónicas se, nesta sequência de factos e desatino, josé vacilou, encharcando-se em vinho ou mastigando ervas que alucinam. contado é que um fantasma lhe apareceu, embrulhado estava ele em sonhos, e lhe confidenciou que aquela a quem o afecto o obrigava, mas a quem ainda não experimentara a carne e o molho, carregava já no ventre fruto de alheio, sim, mas não de alheio qualquer. o outro, o autor do serviço, era maior do que todas as gentes e coisas e todos os tempos, pai de tudo, e, por isso, sem convocar o acto da vergonha, apenas pela ideia, ideia santa, tão feita de nada quanto o vento, logrou ele semear varonil vida dentro de maria. e mais disse o fantasma a josé, que devia ele sentir-se honrado com o feito e acolher maria, cachopa ainda por inaugurar, pois aquele que por ela seria parido viria agraciado com a faculdade de redimir os pecados de quantas gentes no mundo houvesse. aurora mal feita, ainda estremunhado, ergueu-se josé do leito e, fazendo fé na memória do sonho, procurou maria, para que viesse ela para o lar, consentindo ele, com tal gesto e a estipêndio da própria honra, que o que brotasse dela, embora inocente ele fosse no caso, seu filho seria sem ser.

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15.12.04


natividade. a anunciação segundo l., o terceiro escrivão dos factos. ela chamava-se maria. ele chamava-se josé e de arte e ofício era marçano. um dia, era a primavera ainda breve, estugados começavam a ser os dias, quando, depois da jornada na carpintaria, chegado à casa do matrimónio, soube o josé, que ainda não havia ousado afundar a sua virilidade na carne de maria, que no bucho dela raiava uma esperança de gente. o josé, homem sabedor a olho de quanto solho é necessário para cobrir o chão de uma cabana, estranhou o facto. porque não adivinhava o que era isso da ficção científica, conhecia ele que à gente não acontece o que acontece às papoilas, geração espontânea. e que era então ainda ditada ordem da natureza que para encher o ventre de uma mulher necessário era que, antes, um homem se lhe chegasse e mais. quis ele, pois, e por compreensível motivo, esclarecer o mistério e saber a causa do facto. contou-lhe maria, então, que uma libélula, com grandes asas, lhe havia falado. que se chamava gabriel, a dita libélula. e que lhe havia calhado a ela, imaculada, ainda não dada a qualquer homem, a graça de nutrir no seu seio uma semente de vida soprada para dentro de si por divina e superior vontade. também a ela lhe pareceu estranho o facto. mas persuasiva foi a libélula, informando maria que alguém há que tudo pode e que incrédula ela não devia estar, pois isabel, sua parente e esposa do sacerdote zacarias, apesar de infértil como chão de cinza e velha, ia já no sexto mês de graças, por atendida haver sido a súplica do respectivo marido, desejoso de prole. não esboçou maria a intenção de ouvir zacarias sobre o caso. sabia ela que o velho andava mudo desde um dia em que, em funções de ordem à turma, queimara incenso no altar do santuário. por isso, sem poder falar, nada ele lhe poderia dizer ou confirmar. (o desgraçado do velho zacarias recuperou a fala apenas depois de isabel ter parido um varão, quando foi necessário confirmar o rótulo de identidade, joão, que, contra a ordem da firme tradição, a sua consorte determinara ao filho). perante tais circunstâncias e sem fontes outras de socorro, dispôs-se maria a acreditar na mensagem que a libélula lhe transmitira. até porque, se se confirmasse o dito, por não ser estimada faculdade de qualquer espectral força emprenhar mulheres, especial e santificada devia essa força ser. e nisto o crédulo e pio josé acreditou também. assim se fazendo pai de um filho que não era seu.

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8.12.04


para além da inocência. rodolfo era tido como tantos outros, rapaz de costumes certos e bons, exemplar, um inocente. ninguém jamais suspeitou da besta, besta brava, que ocasionalmente despertava nele e lhe convocava os gestos para o mal. a descoberta do seu outro lado, bestial e perigoso, aconteceu num sábado, à noite. nessa ocasião, estava ele soturno, sentado na lúgubre taberna, soou-lhe com estranha nitidez, dentro da cabeça, dies iræ do requiem de dvořák. era a senha necessária para dele sair a sanha bruta. logo ali sovou dois convivas até à morte. e depois, como se divinamente mandatado, prosseguiu a missão.

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7.12.04


elizabete. eram da cor do sol, dourados, os cabelos de elizabete, como se fossem fios de ouro, um tesouro. eram eles, com o seu brilho, que lhe iluminavam a face, alva, alvíssima, pálida como toda a demais pele do seu corpo. com manias de brasonada e convicta da sua beleza, elizabete dedicava meticulosos cuidados a si e, em particular, aos seus cabelos, fosse na lavagem, com essências e extractos vegetais que lhes emprestavam perfume e aveludada maciez, fosse na escovagem e penteio. três eram as aias, com dedos finos e longos, encarregues de velar pelos seus cabelos. um dia, uma delas, enquanto entrançava os cabelos e, entre eles, dispunha um cordão de pérolas, para além de ter feito um arranjo inestético, magoou elizabete. como consequência, uma pequena dor, dor aguda, entrou em si, por um fio capilar. súbito, virou-se para a aia, olhou-a com inundada raiva e, como se possessa estivesse, cravou as suas tratadas unhas nas decobertas carnes da imprudente aia, face e mãos, rasgando-as e descobrindo-lhes o sangue. poucas gotas de sangue caíram-lhe sobre uma das mãos, mas, por a terem rosado levemente, pareceu a elizabete terem tonificado a sua pele. a partir desse instante começou a sangrar as jovens que a serviam. consta que por estar obcecada com a sua beleza e pretender preservar a sua jovialidade da erosão que o correr do tempo transporta. mas não foi tanto essa obsessão que a motivou. foi sobretudo a alegria, o gozo de assistir ao martírio sangrento das vítimas. isso, mais do que qualquer seiva essencial de virgem vertida em selhas de banho, era o bálsamo da sua epiderme. foi também isso a sua desdita.

referência

2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).