24.10.07
spleen reset, i. o modo como se vestia, a blusa e as calças justas, e caminhava, as pernas jogadas como se estivesse na passarelle, acentuava-lhe a silhueta, o corte curvilíneo do corpo. a blusa e as calças bastante justas. não sirvo para esta vida agarrada e ridícula, mereço mais, pensou ela e surpreendeu-se com o seu pensamento, no instante em que se cruzou com um par de jarretas, que se desviou para ela passar. imagina-a quando chegar à idade da madame Bovary, disse um para o outro. ela ouviu o comentário trocado pelos velhos, mas fingiu não ter percebido a provocação. prosseguiu, testemunhada à distância por eles, agora parados no passeio, a contemplar o afastamento do corpo que os havia perturbado. a vida deve ser absurda e obscena, devemos ter a prerrogativa de nos libertar da espécie, da sua mediocridade, da normalidade, do regime de ser sem palpitação, sem ruído, sem mal, continuou ela a pensar. entretanto susteve os passos. colocou as mãos nos bolsos de trás dos jeans. parecia estar a meditar. e estava. os homens são animais fracos, incapazes de superar a sua condição de mamíferos. nunca esquecem que mamaram. quando vêem uma mulher, esse facto atraiçoa-os. é sempre assim, não conseguem disfarçar. nem a velhice lhes lava a memória da mama. deve ser um fenómeno somático. entretanto virou-se, para enfrentar os homens que a miravam. olha para aquilo, os cabrões dos velhos a babarem-se, como se fossem crianças. o mais tímido bateu duas, três vezes a bengala no chão e retomou o ritmo trôpego, começando a andar. embora, a puta topou-nos. o outro, resignado, seguiu-o.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).