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atelier de domesticação de demónios

caderno de variações sobre dores em dó menor, por O Marquês. 

8.2.08


o prolongamento. colocado sob o alpendre, para ser atingido pela expansão oblíqua da luz do sol, como se fosse uma peça de roupa estendida numa tarde soalheira de inverno, o velho, cativo da paralisia que o prendia à cadeira, deixava o seu olhar vaguear entre as pedras do caminho, demorando-o nos tufos de musgo que preenchiam os sulcos entre elas e serviam a rota das formigas. absorto, o velho rememorava a sua presença numa trincheira enlameada, no limite da qual crepitava a metralha, ruído interrompido apenas pelo assobio e pela explosão posterior dos projécteis de calibre grosso arremessados pela artilharia inimiga contra aquela posição. isto aconteceu há muitos anos, mas as recordações desta experiência ressurgiam-lhe com uma frequência cada vez mais maior, tornando-a demasiado presente, um eco histórico próximo, como se fosse a reposição de algo acontecido no instante imediatamente anterior. o velho não sentia as pernas. estão mortas, costumava ele dizer ele, como todo eu, eu inteiro, deveria estar. com um movimento lento de mão, enxotou uma mosca que lhe rondava a face. instintivo, o gesto não interferiu no desfile das memórias do velho, que continuaram a embaciar-lhe os olhos, cravando-lhe com intensidade superior a sensação de impotência. sentado na cadeira, com uma samarra sobre as costas e uma manta sobre os joelhos, o velho esperava sem esperar, entregue, como vencido, ao destino. estava ele consumido nesta modorra, sem conseguir afastar-se do remorso de rendido à velhice e à incapacidade que o tomara, quando surgiu o gato que com ele partilhava a casa e as demoras dos dias. o velho bateu com a palma da mão no colo, anda, anda, modo de lhe manifestar o seu convite. o bicho, esguio e todo preto, aproximou-se, saltou para o regaço do velho e acomodou-se aí. o velho afagou-o com as mãos, passando-as alternada e demoradamente sobre o seu dorso. naquele momento, o velho foi resgatado às suas lembranças e devolvido ali, à sua condição mortificada e presente. ao mesmo tempo o gato começou a ronronar. agora as mãos do velho acariciavam-lhe também a barriga e o bicho, regalado, arrumava o corpo de modo a retirar mais gozo tanto das carícias quanto do sol. estava posta esta cena bucólica quando, passado algum tempo, surgiu uma sombra incerta no bordo do alpendre, que captou a atenção do gato. esticou o pescoço, afilou as orelhas. apurado o motivo da sombra, o gato focou a sua atenção predatória. o velho tentou sossegar o bicho. em vão. o gato permaneceu numa posição tensa. pouco depois esquivou-se às mãos do velho, que falharam a guarda, saltou para o chão e correu no encalço da ave pequena que, alheia à roda, sondava e debicava o chão. ao desenrolarem-se estes acontecimentos, o velho, tu quoque, murmurou a acusação do abandono e tornou a sentir-se arrombado pela solidão. na sequência destes eventos, anódinos para qualquer mortal não resignado, a miséria da condição do velho afundara-se em si como uma agulha que se crava precipitadamente na carne. abandonado pelo gato como deixado pela vida, a vida de capaz, com pernas úteis, era como o velho se julgava. por isso, após o gato ter arrancado em perseguição ao pássaro, quietou os braços e as mãos sobre o colo, induzindo-lhes uma dormência semelhante à das pernas. as pernas falhavam-lhe, agora era a vez de ele corresponder-lhes e falhar-lhes também, falhando-se a si e aos membros restantes. o velho rendia-se deste modo, convicto de há muito ser devido à morte e não à tortura que a vida lhe impusera. e, naquele princípio de tarde, uma vez mais regressaram-lhes as memórias de guerra, reconstituindo-se dentro de si a vala onde combatera o medo, o frio, a chuva, a arma encravada, o adaptador para a baioneta partido, o gás mostarda, os estilhaços da bombarda e das granadas, os destroços afiados da paliçada, o inimigo sob todas as formas, as visíveis e as invisíveis, todas letais. naquela trincheira onde tombaram todos os seus camaradas, ele foi o único que sobreviveu, embora com as pernas e a vontade de viver mortas. já não sou carne remexida, a força anulou-me, desistiu de mim, excepto para o sofrimento, desabafou o velho uma vez. como suplício, a decrepitude tudo isto acentuava, a injustiça da sua sobrevivência e a injustiça da incapacidade de controlar as suas pernas. aquela trincheira, que cada vez mais regressava a si e quase se instalara definitivamente em todos os seus tempos, os de acordado e os de sono, nunca deixou de ser a vala comum a que, puta de vida, a minha, desde aquele dia, se sentiu merecido.

referência

7.2.08


delicatessen. não há palavras para manifestar com rigor o caso. é um fantasma, conhecido como o fantasma da carne. inefável, como todos os fantasmas são. sente-se, porém não se vê ou apalpa ou ouve ou cheira ou revolve na língua. sente-se, testemunha quem o sentiu, suscitado a partir de dentro, do frémito tormentoso que assoma aos aflitos ou padecentes. para tal fantasma não há anestesia ou terapêutica ou ghostbusters. mais exactamente, e isto é a sua outra característica extraordinária, o fantasma nutre-se da cor do sangue, não do sangue, menos ainda da carne, como o folclore sustenta. da cor do sangue, mesmo e só. por processo inexplicável, fantasmagórico, ele suga o tom escarlate do sangue, enegrecendo-o. quando se sente, desde o latejo mínimo até à palpitação lancinante, a dor sentida é a consequência do exercício deste gourmet fantástico. existe pelos homens. não gosta de fiambre, não aprecia bacon, detesta carnes fumadas. excepto em caso de ocorrência de acidentes de trabalho, não frequenta açougues ou charcutarias.

referência

6.2.08


uma tragédia clássica. troco coração contra coração, em combate, a peito aberto, disse ele. ela acreditou.

referência

1.2.08


a prova empírica. a gravilha é áspera?, perguntou ela. uma bofetada assestada clamorosamente na sua face, sem motivo aparente, permitiu-lhe as condições para saber a resposta.

referência

2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).