19.10.07
a aproximação de Salomé ao idílio. a brisa cálida, que veio vingar a chuvada, já tinha desaparecido. aconteciam as primícias da noite. é quase hora de jantar, vem. o tempo foi passando. quando entrou em casa, ele segurava as chaves na mão suada. olá, disse com a voz quase calada pela rouquidão. por que vens tão tarde?, o que há para jantar?, as perguntas dela e dele, respectivamente, interceptaram-se, vibrando uma na outra. ele pousou as chaves no móvel do hall de entrada. vens com muito apetite?, quis ela saber. ele dominou o telecomando e ligou o televisor. por acaso estou com fome, disse, continuando sem justificar o atraso. ela elevou a voz, fiz arroz de carqueija, para acompanhar o lombo assado, para superar o ruído provocado pelo exaustor da cozinha. ele demorou a reagir, sim, serve, pode ser. depois dirigiu-se à casa de banho, onde foi lavar as mãos. No regresso, no instante em que ela saía da cozinha, levando na mão a travessa com o lombo, encontraram-se. ela pousou a travessa sobre a mesa. ele puxou a cadeira para sentar-se. antes beijaram-se. ela tornou à cozinha para ir buscar o arroz. no instante ao passar o limiar da porta da sala, ainda não me disseste por que é que chegaste tão tarde, João, insistiu na interpelação. não comeces, retorquiu ele em tom ríspido, agravado pela rouquidão. não precisas ser bruto, só queria saber se aconteceu alguma coisa, mais nada, não costumas atrasar-te sem motivo, fingiu ela a curiosidade em cuidado, ao mesmo tempo que assentou o arroz ao lado da travessa com o lombo. não, Salomé, nada aconteceu, atrasei-me, só isso. serviram-se e começaram a comer em silêncio. ouvia-se o som do televisor. a soturnidade da cena foi interrompida apenas por uma declaração dela, acho que vou fazer mioleira para amanhã. ele olhou-a com indiferença. com esparregado, gostas de esparregado, não gostas?, acho que com esparregado combina bem.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).