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atelier de domesticação de demónios

caderno de variações sobre dores em dó menor, por O Marquês. 

24.2.10


Miraldino, o relojoeiro (capítulo três). o chumbo interioriza-se dificilmente, necessita de impulso violento, só após propulsão e consoante a direcção é que se aloja no corpo. o impacto da bala não o derrubou, curvou-o apenas. foi torcido, flectido sobre a esquerda, que disparou. o outro caiu primeiro, fulminado. ele prostou-se, com uma mão apoiada no chão e outra sobre o ombro, a tentar estancar a dor com aperto. ouvia-se a respiração pesada dele. tinha a manga ensanguentada, o colete também. os outros afastaram-se rapidamente do local, temendo que, por ouvirem os disparos, as autoridades viessem e, encontrando um cadáver, procedessem à detenção de quantos ali estavam. vai, estou bem, ainda não foi desta, foi só de raspão. vai, eu sigo no vosso encalce, exortou ele o padrinho, que fugisse. já sozinho ergueu-se e cambaleou, pungido. um ardor estendia-se do ombro ao resto do braço, depois ao resto do corpo. após vinte e um passos, não mais, desejando que a polícia não atendesse ao ruído gerado pela peleja, uma mulher aproximou-se dele e estendeu-lhe um lenço. ele improvisou um torniquete. com os dentes segurou uma ponta do lenço, enquanto que com a mão direita apertou o nó. agradeço-lhe. agradeço-lhe por me ter acudido, apresentou ele as graças que sentiu devidas. ela permaneceu impávida, olhando-o. um homem não carece de auxílios de uma mulher, mas, perante as circunstâncias, aconselho-o a tomar o meu ombro como amparo. entenda que estou a prestar-lhe companhia, apenas isso e por nada mais do que por cuidado com o lenço que lhe emprestei, pretendo resgatá-lo assim que esteja diante de um cirurgião, disse ela. relutante e a fraquejar, ele acedeu e encostou-se à mulher. avançaram juntos. perdoe-me a ousadia que vou tomar, entenda que não tenho intenção de abusar, como se chama?, apresentou ele a curiosidade, e o que fazia aqui? não a estou a reconhecer. ela aliviou o amparo num dos passos e, sou aquela que acabou de fazer viúva, respondeu-lhe.

referência

17.2.10


Miraldino, o relojoeiro (capítulo dois). olho para a ameaça das horas, para o modo como pendem e se precipitam sucessivamente, e fico louco, completamente louco - também não há outra maneira de ser louco, não é? -, não sou capaz de mais do que sentir o perigo prenunciado pela demora a acontecer, e vem aquela emoção avassaladora que irrompe e empurra tudo, como se me encostasse à parede e asfixiasse, estás a perceber?, como se aquele momento fosse simultaneamente a minha sentença e o meu legado, compreendes?, o meu degredo em tempo morto, o que me faz enervar e transpirar, ele tinha o rosto congestionado, o suor escorria-lhe desde a testa, parece que fico com o corpo alagado, o corpo todo alagado, abriu o lenço, passou-o pela face, fico mesmo sem saber o que fazer, autenticamente, fico paralisado, à espera, e a espera angustia-me ainda mais, muito mais, é um sufoco, deliro por causa da febre, imagino três rodas dentadas gigantes, sem função, separadas, como se o tempo já não pudesse fluir no ritmo exacto e próprio do tempo, guardou o lenço, olhou para o pulso esquerdo, e, então, começo a ter medo que as horas caiam desamparadas, puxou a manga do casaco para cobrir o relógio, não sei se estás a perceber, já não é o tempo a morrer e a arrastar-me com ele, é a incerteza, a incerteza sobre o momento, a incerteza que se estende a partir daí, a incerteza sobre tudo, sobre a minha hora, qual será ela, uma angústia brutal. aconteceu silêncio por alguns instantes, está na hora, o padrinho entregou-lhe a pistola e assentou a mão livre sobre o ombro dele. é agora?, ele vacilou. é, confirmou o outro, que já havia recolhido a mão e começara a afastar-se.

referência

10.2.10


Miraldino, o relojoeiro (capítulo um). o Miraldino está morto, coitado, foi assassinado. e tu?, como estás? ela não revelou espanto ao ouvir a notícia, olha, porquê?, mato o tempo como posso.

referência

3.2.10


a Natércia da retrosaria. ela regressou passados dois ou três minutos, não mais. havia enxugado as lágrimas e parecia disposta a relevar o comportamento dele. o matrimónio era um sacramento, resolúvel apenas pela morte. podia ser anulado, mas naquele caso não havia motivo abrigado pelos preceitos do direito canónico que permitisse admitir tal hipótese. tão pouco essa eventualidade surgiu alguma vez entre os raciocínios dela. portanto haveria de padecer até que a morte a apartasse dele, conforme ditado pelo arbítrio divino e pelos votos trocados no altar. deves-me respeito, o respeito que, por natureza, as mulheres devem aos homens. para além disso não esqueças que, para o bem e para o mal, casámos em comunhão geral de bens. ela passou as mãos pelo avental e assentou-as na bancada, virada de costas para ele. no rosto dela havia indícios de desistência, não por conformar-se com a situação, mas por admitir que qualquer alternativa seria pior. ela seria falada e apontada como exemplo de mulher fraca, incapaz de suportar o marido e o feitio dele. eram sabidos os problemas dela com o asseio, os miúdos andavam frequentemente encardidos, iam à escola e à catequese assim, e os seus dotes de cozinheira não eram celebrados. a mãe dela até folgou quando o forasteiro se interessou pela filha, tendo-lhe dado licença para que, antes que ele se negasse, algum acidente e a vergonha os obrigasse a juntar. penitenciou-se perante deus por incentivar o deboche da filha, mas, entendia a velha, fazia-o por intenção maior e haveria o altíssimo de, na misericórdia dele sem tamanho, concordar com ela. pior do que ela não ter jeito para cozinhar era ela com aquela idade continuar alheia a homem e, por consequência, nela ninguém pretender verter a semente da espécie. a mãe desejava-a combinada com um homem, qualquer que fosse, para que ela arrumasse a vida. apesar de tarde para a vontade da mãe, o casamento consumou-se e, conforme referido, ela sentiu-se casada e junto dele sob a condição de apenas a morte ser o apartamento de ambos. ele passou um pedaço de pão na borda do prato da sopa. ela virou-se subitamente, cravou o garfo da salada na cara dele, atingindo-lhe o nariz e um dos olhos. a faca de trinchar a carne afundou-a nas costas dele.

referência

2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).