27.5.09
a Licínia da segurança social. ela despiu-se. a minha paixão é estrato lidl, barata. se queres saco para a levar, pagas, disse ele. ela pagou o preço combinado. ele usou preservativo. o orgasmo foi precipitado. ela não gostou. dispender meio mês de salário para quase nada irritou-a. por não haver livro de reclamações, ela saltou sobre o abdómen dele, calçada com sapatos de salto alto. e exclamou sai vinho da tua barriga, quando, já em equilíbrio esforçado, pisava a flacidez e o conteúdo do escroto dele.
20.5.09
o Bráulio da lavandaria. ouviu os passos, o toque de saltos altos na calçada. as mãos dele começaram a transpirar, o vibratto cardíaco intensificou-se. os passos aproximavam-se, sugerindo um andar lânguido, de passerelle, batido na pedra. ele sentia-se um território íntegro, uma biografia a crescer. advinhando a oportunidade, percebeu a compulsão da língua. no flanco oposto da esquina de onde se prenunciavam os passos, saboreava já a calidez dos trinta e sete graus centígrados, a hemoglobina vertida nos lábios. naquela noite, não obstante a menstruação que era capaz de cheirar, não haveria de lavar lençóis.
13.5.09
o sinédrio das abjurações, iv. o poder cai, disse Sztompka, enquanto chafurdava entre mousse de chocolate e vinho e café entornados que tingiam a toalha posta sobre a mesa, o poder não sobe. ou, assim é que é correcto dizer, o poder mantém-se, os poderosos, aqueles que detêm o poder, dominam enquanto dominam e depois caem. não são os subordinados que sobem. Werner ouviu Sorokin a rir. não me parece que tenha sido uma piada. o que ele disse soa-me a verdade, disse Werner, o poder é um malefício necessário. é um jogo, em que uns perdem e outros ganham. o ganho de uns é consequência da perda de outros e não o contrário. Sorokin levantou uma mão e, esquece a política, isto é uma orgia, concentra-te, reagiu. a reflexão política e a discussão que suscita produzem equívocos e dissonâncias, acrescentou Sorokin, separam, dividem, mais do que unem. havia uma mulher deitada sobre o soalho, no meio da sala, untada com gordura do jantar. tinha as mãos emprestadas à masturbação. parecia em agonia. ela diz que ele é o marido ideal, acreditas? aprecia a sua alegria, disse Sorokin, apontando a senhora Sztompka, que entretanto se juntou à outra mulher. agora havia duas mulheres estendidas no chão a beijarem-se e a acariciarem-se reciprocamente. a cena era crua e sensual. isto é grotesco, clamou Sorokin, aplaudindo de pé o que via. não o suficiente, interrompeu-o Werner, que se levantou, brandiu o atiçador de brasas que havia recolhido do rebate junto à lareira e, com o lado do gancho pequeno, arpoou violenta e repetidamente o corpo das mulheres, transformando os gemidos de gozo delas em gritos lancinantes. perante os corpos desfigurados, Werner consertou a melena com a mão esquerda e após arrumou o atiçador no suporte respectivo. é tarde, estou cansado, vou retirar-me. agradeço-te o jantar e o sarau, Sztompka, foi agradável. amanhã continuamos a discussão. iluminado pelas labaredas da lareira, o corpo de Werner cresceu nas paredes, como sombra. ao mesmo tempo, concentrado nos corpos destroçados, Sztompka despejou mais mousse de chocolate e vinho sobre o peito e a camisa. os poderosos caem, repetiu, assobiando uma onomatopeia que sugeria queda, acompanhada por um gesto com o polegar virado para baixo em movimento descendente. Sorokin, ajoelhado e debruçado, lambia os corpos ainda cálidos das mulheres.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).