30.4.07
excertos da abundância, i. um extracto da noite e um dicionário. um corpo esventrado, consumido na própria agonia. se eu pudesse amar-te... ninguém venceu por nocaute. não sobraram despojos.
10.4.07
contra os sobejos pop. ouvia-se uma voz apenas, uma voz grave, em exercício de exortação. temos que fazer explodir petardos em salas de cinema, em parques temáticos, em centros comerciais, nos corações e nos olhos das pessoas, nas suas cabeças, em quebra-cabeças, em origamis, em aviões comerciais ou de papel, em cacilheiros. essas explosões serão o detonador da inquietude e o princípio do fim da apatia. depois, pela intensificação da inquietude e pela dissipação da apatia, virá a revolução e consumar-se-á outro modo de dor.
7.4.07
6.4.07
modo imediato de azul. morreu. esteve sequestrado poucas horas, em ambiente confortável. não ouviu uma palavra para além de todas as que utilizou em interrogações e rogos. o que é que se passa?, o que querem de mim?, até as perguntas serem mais vagas e resumirem-se a porquê? gritou várias vezes porquê?, ninguém lhe respondeu. era-lhe a angústia maior assim.
um dos sequestradores estava sentado. tinha dois livros ao seu alcance, que lia alternadamente. era estranho. e tornava a situação ainda mais tormentosa. a juntar à dúvida sobre a sua situação, aquele rapaz, com a cara descoberta, lia em simultâneo um romance de philip roth e um romance de agustina bessa-luís. the human stain, assim, em edição original, intercalado com doidos e amantes. ou vice-versa. porra!, primeiro cita foucault, depois escreve «amar os amantes é uma lei da física», tudo na mesma página! *
ainda não se tinha extinguido a exclamação, dois carros pararam diante da rampa de acesso à casa. ao mesmo tempo tocou o telefone. um aproximou-se e disparou sobre os joelhos dele, estilhaçando-os. os agentes policiais precipitaram-se. não ouviram os tiros, ouviram os gritos.
nos últimos instantes, ficou-lhe a sensação que a eternidade, mais do que o infinito, começava depois da porta, aquela porta. que, passada, a situação lhe permitiria comprar o tempo todo e sobreviver. não sei. não percebeu. e pereceu sem saber o que tinha acabado de ouvir, se um rumor, se um murmúrio.
* vide bessa-luís, agustina, doidos e amantes, lisboa, guimarães editores, 2005, p. 173.
4.4.07
virgem suicida. sobre a mesa, ao lado da cabeça jacente, havia uma nota escrita numa caligrafia irrepreensível. olhos nos olhos, os meus e os da fera, e pelo olhar a sensação que habito a fera e que a fera habita-me e, porque me vence num golpe, oferece-me a si, fazendo do mim um sacrifício necessário.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).