6.4.07
modo imediato de azul. morreu. esteve sequestrado poucas horas, em ambiente confortável. não ouviu uma palavra para além de todas as que utilizou em interrogações e rogos. o que é que se passa?, o que querem de mim?, até as perguntas serem mais vagas e resumirem-se a porquê? gritou várias vezes porquê?, ninguém lhe respondeu. era-lhe a angústia maior assim.
um dos sequestradores estava sentado. tinha dois livros ao seu alcance, que lia alternadamente. era estranho. e tornava a situação ainda mais tormentosa. a juntar à dúvida sobre a sua situação, aquele rapaz, com a cara descoberta, lia em simultâneo um romance de philip roth e um romance de agustina bessa-luís. the human stain, assim, em edição original, intercalado com doidos e amantes. ou vice-versa. porra!, primeiro cita foucault, depois escreve «amar os amantes é uma lei da física», tudo na mesma página! *
ainda não se tinha extinguido a exclamação, dois carros pararam diante da rampa de acesso à casa. ao mesmo tempo tocou o telefone. um aproximou-se e disparou sobre os joelhos dele, estilhaçando-os. os agentes policiais precipitaram-se. não ouviram os tiros, ouviram os gritos.
nos últimos instantes, ficou-lhe a sensação que a eternidade, mais do que o infinito, começava depois da porta, aquela porta. que, passada, a situação lhe permitiria comprar o tempo todo e sobreviver. não sei. não percebeu. e pereceu sem saber o que tinha acabado de ouvir, se um rumor, se um murmúrio.
* vide bessa-luís, agustina, doidos e amantes, lisboa, guimarães editores, 2005, p. 173.
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