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atelier de domesticação de demónios

caderno de variações sobre dores em dó menor, por O Marquês. 

22.2.06


serial killer. como nos filmes. em tocaia, ele esperou-a na penumbra. hello darling, disse-lhe. ela procurou a origem da saudação, encontrou-o com os olhos. sorriu para ele. mas, súbito, o seu sorriso desvaneceu-se num esgar. dois tiros de beretta 92 fs, dois projécteis calibre nove, cravaram-se-lhe na carne. you tried to fuck me, you fucking slut!, exclamou ele, numa consumação retórica da sentença. e abandonou a cena. não demorou, porém, o remorso a alojar-se nele. afinal, descortinou depois, ela não o havia traído. a combinação de informações com base na qual ele lhe deduziu a culpa era equívoca. era facto que, ao contrário do que admitiu, ela nunca havia estado em memphis. já tarde, após o cortejo fúnebre, diante do féretro, quando o confortavam e lhe apresentavam as condolências, é que disso ele teve consciência. em consequência, atormentou-o a contrição e começou a padecer de sono vago, frequentemente cortado por pesadelos. a terapia a que se submeteu não surtiu efeito. sentia-se domicílio de um demónio permanente, arrumo de um fardo irrevogável. that’s a fucking hard situation, foram as últimas palavras que o psiquiatra lhe disse, reforçando a sua sensação de impotência perante a própria culpa. para superar a morte da amada, para livrar-se do cativeiro de dor em que vivia, iniciou casualmente uma campanha de mortes, mortes aleatórias, sem escrutínio. as vítimas não correspondiam a um perfil particular e ele não se vinculou a um modus operandi estrito. matava indiscriminadamente e de modo indiscriminado, consoante a oportunidade e o gozo. assim, ao útil associou o agradável, no sentido em que, morte após morte, ele sentia a diluição da culpa original e isso era-lhe prazenteiro. até que um dia, cansado, enjoado de testemunhar o estertor derradeiro das suas vítimas, como último acto de redenção, confessou detalhadamente todas as mortes de que fora autor a uma confidente. a qual, para acautelar uma eventual delação e aplacar possíveis sobressaltos, assassinou também.

referência

13.2.06


crepúsculo de uma inocência. há uma idade em que as criaturas se impressionam com facilidade. essa é a idade da credulidade. não é por acaso que lhe chamam infância. foi nessa idade que ele mais se guardou dedicado e temente à hipótese da transcendência em figura de um sapiente e omnipotente senhor. seria senhor, embora dele não se tivessem as feições exactas. o que era sabido é que esse senhor, durante seis dias, se dedicou à concepção e materialização deste prodígio chamado mundo e, depois, ao sétimo dia, ainda antes da polaroid, remeteu-se ao descanso, entregando o destino da sua criação à própria mecânica das coisas e ao capricho dos animais, cujo conjunto incluía a mulher e o homem. desde esse retiro sabático, deus como que se cingiu à condição de vigilante da própria obra, ainda que mereça registo o facto de, entretanto, ter maquinado modo de o seu filho primus inter pares ter nascido de uma mulher e padecido para, assim, pelo martírio do calvário, resgatar os erros do mundo. foi com esta narrativa lendária que, durante a sua infância, insistiram sobre ele a tese da existência e a disponibilidade de deus. e, assim, puto, ainda que não lhe abundasse a virtude - lá padeceria ele dos desmandos de puedícia -, foi crescendo feliz e embrulhado em tal superstição, mas nunca derradeiramente certificado na respectiva fé. é que nas raras circunstâncias em que apelara à intervenção divina, deus nunca comparecera em seu justificado socorro. não queria ele que deus falasse consigo ou que se revelasse em corpo perante si. não. bastava-lhe um sinal, um indício, ténue que fosse, do seu atendimento, da sua existência. porém, nada. nadinha. a mãe ainda tentou preservá-lo no credo, explicando, quando se diz que deus está no meio de nós isso não significa que ele está entre nós, mas, sim, que está dentro de cada um de nós, meu filho; diz-se que deus está no meio de nós porque ele vive escondido, sem se ver, em cada um de nós, percebes? como maternalmente colocado, o problema, portanto, seria um problema semântico. não lhe foi difícil decifrar o insondável mistério do caso. ele já sabia que o pai natal não existia e que os presentes que recebia eram função da avaliação que os seus pais lhe faziam do comportamento. ele também já sabia que as armas dos bandidos autênticos, como aqueles que por duas ou três vezes assaltaram a loja da família, por baixo do seu quarto, não eram inócuas como as pistolas dos irmãos metralha. ele sabia até que existiam coisas - como o ar, por exemplo - que não se viam. tudo isto sabia e tendia-o à conformidade com a doutrina doméstica quando, um dia, ainda menino, mas já espigado, ele ouviu falar do método científico, do ensaio, da experiência. foi oportuna essa audição porque lhe suscitou curiosidade. e após algumas leituras, onde chegou a encontrar o nome de popper, sentiu-se habilitado para realizar um teste. desafiou deus. propôs uma prova simples, daquelas que, para além de não implicarem grande despesa, qualquer deus poderia atender por tão inocente e ridícula ser. e com o silêncio anuente e cúmplice do divino concorrente esboçou a competição. assentou duas frigideiras sobre bicos de igual calibre no mesmo fogão. antes disso testou os dois bicos. estimulou-os com fósforos ignescentes. ambos acenderam de súbito. apagou-os. depois em cada uma das frigideiras colocou um ovo. acendeu um dos bicos, o seu, e deixou apagado o outro, o de deus. ainda assim, para facilitar a tarefa divina, sobre a bancada da cozinha, justa ao fogão, deixou a caixa de fósforos aberta. e rezou várias vezes a mesma oração de apelo à intercessão, o pai-nosso. não obstante, apenas um ovo se estrelou. feita a observação do que resultou da experiência, ele correu ao encontro da mãe, para lhe dar conta disso, concluindo, mãe, um deus que não consegue fritar ovos ou não é deus ou não existe, não é? a mãe repreendeu-o e esforçou-se por o ilustrar. deus não é independente de ti, mas tu não és deus, percebes?, esclareceu-o ela. percebo, sim, mãe; então, isso quer dizer que deus é um parasita, assim como as lombrigas, disse ele, aproveitando para convocar um conceito que havia descoberto recentemente na escola. o dito valeu-lhe uma bofetada. facto que, naquele instante, lhe reforçou a suspeita da inexistência de deus. suspeita da qual nunca mais se livrou. foi isso que o danou.

referência

2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).