30.5.05
dos afectos e demais inclinações. o amor ou é a doer ou não é.
27.5.05
ofício. se algo há que, para confirmação, é necessário experimentar-se com as mãos próprias, que seja o sangue morno dos outros. não o vinho.
18.5.05
jesualdo, o herói que nunca mais voltou. há muitos, muitos anos, a um tal jesualdo, carpinteiro de mãos e por ofício herdado, aconteceu-lhe um dia, em razão das suas afirmadas manias, ser cravado numa trave, padecer, perecer e ser sepultado. passadas poucas luas, o cadáver ressuscitou. ninguém testemunhou a ocorrência, mas a carcaça animada saiu do túmulo onde, em mortalha, havia sido posta para o seu eviterno e sepulcral descanso. depois, diz-se, demandou jesualdo, ressuscitado, uma vassoura. serviu-lhe a primeira que encontrou. colocou-a entre as pernas, como se montasse um pégaso, e, sobre ela, voou para o céu, já domicílio de um dos que se proclamava seu pai. houve olhos, olhos de gente que já não vê, que viram essa ascenção. e esse foi o último dia em que jesualdo foi visto. desde então não voltou a ser observado, fosse com os pés sobre a terra, fosse com a cabeça entre as nuvens. o que significa que, entre os vivos, cada vez mais o seu nome é invocado em vão. é isso que dói.
16.5.05
crónica de um caso acontecido. ele chegou a casa. estava lá alguém, uma mulher, que não devia estar. o resto do caso respeita exclusivamente à intimidade das personagens. para satisfação da curiosidade alheia é bastante saber-se que houve derrame de sangue, suor, sémen e lágrimas.
13.5.05
pedagogia. para aprender o que é a crueldade alguém tem que amar outrém. é aí, não depois, que começa a lição.
3.5.05
labirinto e certa dor. são dois princípios. também não são necessário mais. dois princípios são suficientes para ela se demorar na vida e não regressar tão cedo. e a sua voz repete. são dois princípios. se fossem poemas, talvez a dor que é não fosse. mas é. são dois princípios.
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