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atelier de domesticação de demónios

caderno de variações sobre dores em dó menor, por O Marquês. 

25.1.12


junto à secção de charcutaria. o porco teve a sorte que fez por merecer. o suíno aludido é o Hipólito, serralheiro mecânico, mãos encardidas pelo óleo e pela ferrugem, filho do Espírito Santo velho, daqueles não tresmalhados da graça divina, que ao domingo assistia à homilia, embora não fosse à comunhão por não frequentar o confessionário, confesso-me directamente a deus nosso senhor, já tenho idade para isso, comentou uma vez com Rudolfo, o mais velho da prole dele, ia à missa, aproveitava para espreitar o peito das serigaitas e, nos dias soalheiros, à saída, demorava-se no adro a fingir que esperava alguém para ter a oportunidade de vê-las a aliviarem-se do vestuário sobre os ombros e devassá-las com o olhar, era estrábico, tinha uma visão oblíqua, como Sartre, sugeriu o Donato com a petulância própria de quem frequenta a faculdade de letras, repetindo o que tinha ouvido um professor dizer numa aula em que a dissertação magistral passou pelo existencialismo, em assomo de imitador estúpido, por, além dele, ali ninguém saber ou suspeitar quem tenha sido Sartre, incluindo Tomé, o padrinho, que em meados dos anos sessenta já estava instalado num dos banlieues de paris, foi a salto, com a sorte de ter arranjado trabalho na poubelle, talvez não tão duro como o de trolha ou servente porém mais nauseabundo e com a vantagem de permitir aproveitar coisas ainda com serventia, por causa da reciclagem, um ecologista avant-la-lettre, outra tirada do afilhado para impressionar, o sacana fez-se ao bife mas ela também era um bocadito vitela, havia quem admitisse o alívio parcial da culpa de Hipólito, vitela?, o que não significa que todos pensassem do mesmo modo, sim, vaca nova, existiam perspectivas e opiniões diferentes, não, ela herdou a mania da vaidade da mãe, só isso, Rosalinda insistiu na culpa inteira de Hipólito, olha que consta que ela não se fazia rogada, o baile da dúvida era dançado ao ritmo das convicções afirmadas, ela gostava de mostrar-se mas não era cachopa de deixar meter as mãos, as posições irredutíveis animavam o diálogo, olha que se calhar deixava, pelas afirmações iam sendo dados sinais sobre o lado para o qual se inclinava cada uma das pessoas envolvidas no diálogo, sabes alguma coisa que eu não sei?, ao mesmo tempo a tensão aumentava, não, só uns zunzuns, sem desarme, zunzuns, que zunzuns?, eram exigidos esclarecimentos, uma vez foi vista a falar, sem motivo, com o Pedrito e outra vez com o irmão da Celeste, conheces a fama deles, não conheces?, não costumam deixar os créditos por mãos alheias, eram prestados esclarecimentos, mas isso não significa que, um estrondo, o que foi isto?, o alvoroço antes de, jesus, qualquer dos circunstantes, outro estrondo, obter resposta, mais carne tombada, alguém disse, se como notícia, senha número quarenta e nove, se como especulação, senha número quarenta e nove, não se sabe, sou eu, era o Rudolfo, cuja presença ninguém tinha notado antes.

referência

18.1.12


a Salomé da clínica veterinária. ele viu a coreografia da volta lançada por aqueles braços que pareceram-lhe sempre fracos, sentiu o golpe, o aço rápido, corte limpo e cérceo, que lhe interrompeu o corpo. ela sorriu, só ela sorriu durante o gesto. o pior veio depois, ter que limpar o chão e tranquilizar o grand danois perturbado por aquela confusão.

referência

2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).