25.2.09
o senhor dr. Medeiros Branquinho. olho os amantes, desfolho-os com conceitos e métodos clínicos, e desejo-lhes o mal que conheço e posso, a doença. não intenciono que morram, intenciono que sofram. quero que tenham outra cor, mais pálida ou amarela, por causa da anemia ou da hepatite, um passe-partout negro e largo em torno dos olhos, os lábios em tom desmaido ou gretados, o cabelo baço ou oleoso e ralo, cáries, rugas e pregas na pele, feridas e cicatrizes visíveis, erupções cutâneas e borbulhas, celulite, varises, fossas cardíacas falíveis, elas com vaginismo e menstruação prolongada e dolorosa, eles com enxaquecas, ressacas, impotência ou ejaculação precoce e mau hálito. as felicidade e saúde alheias entristecem-me. não é por acaso que evito as terapias que confortam ou recuperam os meus pacientes. alegra-me vê-los sofrer. apenas isso me alegra. não era diferente quando ainda estavas casada comigo. então, mesmo ao teu lado, apesar de ti, eu já era feliz. agora continuo.
18.2.09
o senhor Osório Sottomayor. ele sussura chupa-me, ele grita chupa-me, mas o estado da sua relação com ela não muda, nem para pior nem para melhor. não se entende porquê. ela não é surda e percebe os estímulos. aliás, por prudência, acautelando a eventualidade de lhe assomar uma vontade maior ou qualquer descontrolo, ele arrancou-lhe os dentes para que ela não o mordesse. tenra, tenrinha, chupa-me, sugere-lhe ele ternamente. todavia, ela, nada. suspeita-se que lhe calhou uma criança contemplativa.
11.2.09
a senhora Veiga Leite. ele dizia aperta e ela apertava. ele dizia agora alivia e ela apertava mais. ele clamava pára, já chega e ela continuava a rodar o roquete. ele gemia suplico-te e ela fingia não ouvir, o que se ouvia eram os trincos do aperto a passar. ele morria e ela foi buscar outro que gostava também de ser apertado.
4.2.09
o senhor Portela Piedade e o amigo dele que perdeu os sentidos. o corpo procura uma sequência, a necessidade, a natureza, impõe-se-lhe deste modo. estás a falar de droga? julgo que não. espera, não sabes sobre o que é que estás a falar? agora não, não sei sobre o que é que estou a falar, julgo que estou a divagar; estou a divagar, é isso. não te compreendo. e isso é um problema teu ou um problema meu? neste momento creio que é um problema nosso, um problema de comunicação nosso, porque tu estavas a falar e eu estava a ouvir-te atentamente. estás a dizer que eu não sei falar? não, não disse isso. então perdeu-se alguma coisa entre o que eu disse e o que tu ouviste? creio que não, não sou surdo. estás a ver esta bisnaga? estou, claro que estou, não sou cego. ouviu-se um tiro e a respectiva ressonância. e agora?
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).