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atelier de domesticação de demónios

caderno de variações sobre dores em dó menor, por O Marquês. 

27.11.08


os feitos e os defeitos de Lazy González, xiii. os homens despachavam o rigor diante de uma garrafa. eram seis, sem contar com o estalajadeiro atrás do balcão. quatro jogavam cartas, dois estavam sozinhos, um deles bêbado e derreado na cadeira. três mesas ocupadas, uma garrafa sobre cada uma. o copo pequeno ao alcance de cada um dos homens foi usado várias vezes. coincidindo com a recolha da última vaza de espadas daquele jogo, Lazy González entrou de rompante e dirigiu-se ao balcão. sem nada dizer, lançou a mão esquerda sobre o gargalo de uma garrafa, com a outra mão desarrolhou-a e levou-a à boca. sorveu um trago. o ambiente era de oração. um de vós vai morrer, ele informou os presentes, devido a uma questão de honra pendente. dois dos jogadores levantaram-se e, mal haviam posicionado o corpo, foram abatidos com tiros certeiros, no coração. Lazy González devolveu o revólver ao coldre e, um não é dois, mas tenho cada vez menos paciência para averiguações e especificações, comentou o sucedido.

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26.11.08


a Elvira da loja dos cortinados. ela padece de oscilações, oscilações fundamentais. mudanças de humor súbitas, vertigens anímicas, passagens da depressão à euforia e da euforia à depressão, passagens num instante, isso, ela tem também. mas o que releva são as oscilações de carácter que ela sofre, pode declarar-se assim, que ela sofre autenticamente, tanto na alma quanto na carne. com frequência ela transforma-se noutra mulher, muda de identidade. sou visitada recorrentemente por demónios lascivos, se queres saber. ele aproveitou-os para casar comigo, não foi?, pois eles não se distanciaram definitivamente, não foram embora. de quando em quando aparecem e, sabes como é?, apossam-se de mim. nada posso fazer. tenho que os deixar entrar, só depois, eles dentro de mim, é que os consigo enxotar. foi o que aconteceu. ela forçou o rapaz a ir até ao seu quarto, arrastou-o literalmente, e, aí, passou-lhe um aparelho para as mãos. tem cuidado, isso veio de frança, custou uma fortuna, é uma máquina mágica, não é como as outras máquinas fotográficas. o rapaz encarou o aparelho com estranheza. nunca agarrara uma máquina daquelas. já ouvira falar de máquinas assim, instantâneas, disseram-lhe antes, mas nunca havia tido a oportunidade de ver uma, menos ainda de a operar. se o aparelho espantava o rapaz, embora não demais, pois rapidamente descortinou como funcionava, Elvira, ela mesma, deixou-o estupefacto. o motivo disto não era apenas o comportamento que ela manifestava - ele podia ser rapaz, porém sabia já bem o que era uma mulher -, era e era sobretudo o modo como ela se revelava naquela circunstância. tira-me um retrato. atónito, o rapaz obedeceu. um favo brilhante, um derrame de claridade precipitou-se diante dela. isto foi necessário para embalsamar aquele instante na folha de papel que a máquina expeliu. a luz brusca e forte é imprescindível para fundir as coisas, os corpos, os contrastes, o que é visível e filtrado pelo diafragma, no papel. a luz tem a função da forja. o resto é química invisível. sou bipolaroid, sabes? tira-me outra. apesar de não liberto da própria censura, o rapaz recuou um passo para focar melhor o corpo dela, o flash disparou novamente e o aparelho expulsou outra folha de papel. já se vê?, ficou nítido?, expressou ela a sua curiosidade. não sei, está a começar a aparecer agora, respondeu o rapaz. um vulto começou a revelar-se no papel. ela deitada, com a perna esquerda afastada da outra, exposta do períneo à púbis. via-se o contorno interior das nádegas, a extensão desde o abdómen até ao peito, apenas o seio direito parcialmente denunciado, o outro coberto pela blusa recolhida, e alguns dedos da mão direita sobre a vulva, como se tentassem aplacar o demónio que a afligia. a mão era o elemento que diferenciava aquelas fotografias, postas sobre a cómoda para comporem-se de cores, de l’origine du monde, o célebre quadro de Courbet. ela e o rapaz, ambos, contemplavam o que ia surgindo nas folhas de papel. de repente, nada mais dizendo, o rapaz saiu. desceu as escadas, galgou o corredor, passou a porta, correu, tropeçou na gravilha da serventia da casa, caiu, levantou-se, retomou a corrida e alcançou a estrada. ainda em corrida, aí cruzou-se com três pessoas, nenhuma saudou. parece que viu demónios, o raio do cachopo, murmurou para si uma velha. enrolada numa mão transpirada, como testemunho de estafeta olímpica, o rapaz levava consigo uma das polaroids. pouco tempo após, quando o marido chegou a casa, Elvira mostrou-lhe a outra. sou eu, não vês a minha cara mas sou eu. ao orgulho dela correspondia o incómodo do homem, que percebia estar exposto a mais do que à intimidade da sua mulher. as mãos rudes e encardidas vincaram e marcaram a imagem que seguravam. ele estava incrédulo e furioso por alguém a ter fotografado naqueles impreparos, quase nua, despida onde importava que não estivesse descoberta. não era a indecência que o levava para além da irritação, era a vergonha que, mais do que imaginar, ele sentia irromper na fronte. foi o rapaz, não foi?, perguntou ele asperamente. Elvira confirmou, sim, foi ele, atenuando no entanto o que o marido presumisse da irresponsabilidade do rapaz, mas ele não me tocou, ele até fugiu daqui muito constrangido. os olhos do marido estavam raiados, a raiva pulsava nele. a mão cerrada envolvia e apertava a fotografia, engelhava-a. um calor mais do que de febre, um calor eléctrico corria-lhe o corpo. ela abraçou-o. sabes como eu sou, tem calma, já voltei a ser a mesma, agora sou outra vez eu, aquela que é tua, só tua. todavia os dedos dele continuavam a prensar violentamente o papel, quase fundindo-o na palma da sua mão. isto não fica assim, Elvira, desta vez isto não fica assim, clamou ele. vá, acalma-te, não exorbites, meu amor, estou aqui contigo, tentou ela sossegá-lo. desta vez passaste das marcas, Elvira, excedeste-te, gritou ele mais, afasta-te de mim, mulher de máscaras e do diabo, ao mesmo tempo que a empurrou, de modo que não disfarçava a ameaça.

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25.11.08


extractos confessionais de Alda Schön, iv. o acesso ao coração de alguém é preferencialmente pelas costas, com o auxílio de uma adaga. não é pela temperança ou pela confiança, porque, embora francas, são disposições sobretudo. também não é pelo amor, pelos afectos, pelas emoções, vias demasiado exaltadas e venais. tão pouco é pelas vísceras, embora o coração seja um órgão de esgoto e de desperdícios. o acesso ao coração de alguém é pelas costas. o encontro dos peitos deixa as mãos livres para o abraço e o abraço não tem que ser isento de lâmina.

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20.11.08


o Antero da carpintaria. deus fez os riachos cristalinos para que, ao debruçar-se sobre o plano da água, qualquer pessoa pudesse verificar aí o rosto da culpa. a mania de lavar a cara surgiu na sequência de, ao saciar a sede, alguém ter observado a sua face reflectida na superfície aquática e não ter gostado do que viu. o rapaz escutou-o ao mesmo tempo que, com o amparo dele, recebeu a trave nos ombros. passou os braços sobre ela, flectiu as pernas e deu um impulso ligeiro para consertar a canga. melhorou o apoio da trave nas suas espáduas. depois, como uma espécie de Atlas, avançou em direcção ao ribeiro. vai com cuidado, vê bem onde pões os pés, recomendou ele ao rapaz. parecendo carregar um fardo de falcas, o rapaz avançou cambaleante, passou pela plaina e dirigiu-se ao portão traseiro da carpintaria. já do lado de fora, ao aproximar-se do ribeiro, assentou os pés como se estivesse a fazer a prospecção do terreno argiloso. passos seguros. a carregar a trave de madeira como se estivesse prometido à crucificação, o rapaz chegou-se ainda mais à margem do ribeiro. entretanto ouviu-se um silvo, depois o som abafado de um impacto. por causa do barulho ensurdecedor da maquinaria a funcionar, dentro da carpintaria ninguém se apercebeu do sucedido. mais abaixo a água do ribeiro começou a passar turva, primeiro tingida com uma cor barrenta, depois a parecer vinho. foi quando o Antero gritou.

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19.11.08


extractos confessionais de Alda Schön, iii. no princípio a mão direita segurava um martelo encostado à têmpora desse lado, a mão esquerda segurava uma foice envolvendo o pescoço também do lado direito. esta imagem significava a liquidação de uma ideologia, a do flanco dextro. no entanto, como todas as outras imagens, não era suficientemente revolucionária. por isso do símbolo passou-se ao acto. aconteceu um estímulo, uma febre, uma intenção, uma vertigem, qualquer coisa combinada com a vontade, não se sabe bem o quê, e as mãos mexeram-se. agora o símbolo preserva apenas as ferramentas, o martelo e a foice. a cabeça e as mãos desapareceram.

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11.11.08


extractos confessionais de Alda Schön, ii. aconteceu num ápice. depois perguntei-lhe onde posso deixar cair os olhos?, se a tua boca está fechada, se o teu sangue está a correr, mas ela nada disse. não sei se foi por falta de tempo ou se foi por falta de vontade.

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5.11.08


extractos confessionais de Alda Schön, i. nunca pergunto qual é o caminho, vou simplesmente. assim previno a provocação de aviso ou de testemunhas. no entanto, asseguro, a causa deste comportamento não é mais a precaução do que a vergonha. embaraça-me pedir indicações e às vezes muito necessitada estou delas. vou simplesmente, caminho aproximando-me e sondando o que é o meu destino. sei previamente qual é, tento ser rápida, o mais rápida que for possível. e evito deixar rasto. depois são as coisas que mato à bruta, nos poços, nas luras. basta-me uma oportunidade, não necessariamente a melhor.

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2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).