31.1.08
aguarela de Grosz. quem é o responsável? a miasma gerava uma espécie de sufoco. quem é o responsável?, repetiu a interrogação, desta vez como grito. não soou qualquer voz. deus, onde estás?, por que não respondes? segurava uma lanterna. a chama apagou-se. deixaste de ser o responsável?, é isso?, ou nunca foste mais do que imaginação? continuou a andar entre os cadáveres, pisando-os para avançar. ouvia-se um som semelhante ao de frutos maduros a serem esmagados. era como se caminhasse sobre chão alagado. é isto o resultado do apocalipse?, é assim que o mundo vai acabar? os pés afundavam-se e produziam um som viscoso ao amassar a carne dos mortos. parou, cansado. em rigor, não necessito de respostas, necessito de coordenadas que me orientem para a saída deste campo vasto de carne, murmurou para si. flectiu ligeiramente os joelhos, colocou sobre eles as mãos, baixou a cabeça, encontrando o queixo com o peito, e fez exercícios de controlo da respiração. tomado pela fadiga, naquele instante decidiu esperar pela aurora. com luz, presumiu, saberia em que sentido avançar. uma vez mais, após encher o peito, expirou com força. a matilha, que o estava a vigiar, esperou também.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).