13.11.07
ressureição. arrombou a porta com estrondo. depois vociferou. não sei se os odeio. nunca os amei, isto é certo. o ódio é um sentimento demasiado forte, demasiado exigente, mais do que o amor. por isso julgo que não os odeio. se nunca os amei, se nunca consegui amá-los, e em muitos momentos até teria sido fácil amá-los, julgo que não os odeio. não obstante isto, não lhes perdoo. quando tomei o veneno e me escondi sob o sobrado, na cave, foi para morrer. deviam ter-me deixado morrer. deviam ter-me procurado fora de casa, por aí, no bosque, nas ruínas do moinho, atrás dos muros que contornam as fazendas, nas margens da ribeira, nos locais onde os suicídas tentam o seu destino. não deviam ter revolvido a casa, a nossa casa, do sótão à cave. Não deviam ter partido as tábuas do soalho para me resgatar. deviam ter-me deixado a asfixiar no vómito negro, que era o meu vómito, o vómito do meu coração moído. deviam ter-me deixado partir. deviam ter-me concedido a liberdade que escolhi, ir. deviam ter-me esquecido. e, antes, muito antes, fez um compasso de espera para agravar a voz, não deviam ter-me baptizado com o nome Lázaro.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).