29.11.07
o jagunço. encostado ao balcão, ele fazia a apologia da dedicação, do esforço, do serviço, do trabalho. o outro, sentado numa mesa, interrompeu-o. sim, é através do trabalho que a condição humana tem hipótese de realizar-se, é verdade. mas, com a adversativa levantou-se e aproximou-se dele, em muitas circunstâncias, resultado do regime de alienação que existe e engana, a glória que daí decorre é a confirmação da subordinação e a consagração da exploração apenas. ao fundo da sala, indiferente à disputa entre os dois homens, o vulto de alguém ensaiava um exercício de pizzicato num violoncelo. sem deter-se, o outro, após um desvio rápido do olhar, continuou a digressão. a glória é uma epifania, um efeito delirante, não é um artefacto, não é um produto, não é, diga-se assim, a consumação da mão de obra. é por isso que, em prol do socialismo, é devido o combate a todos os obstáculos à distribuição equilibrada e sã da riqueza, o primeiro e o mais resistente dos quais é o toto sob as suas diversas formas, bola, loto ou milhões. e ele, ainda encostado ao balcão, pousou a esferográfica com que acabara de preencher o boletim com o qual ia tentar a sorte.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).