16.5.07
a expiação do ciúme. estavam no centro da sala, exactamente no centro, porque a forma da sala era circular. ele segurava-a com firmeza. uma mão sobre as suas costas proporcionava que, durante a dança, encontrassem os torsos. ele liderava os passos. quase todos observavam o casal com emoção. a sala era faustosa. irrompiam figuras celestiais e ornamentos magníficos da parede, celebrando, com detalhe e a talha dourada, a opulência própria das armas da estirpe dela. as janelas eram rasgadas de baixo a alto e guardadas por cortinados bordados esplendorosamente. quase todos observavam o casal com emoção. friedrich kurtz era o único presente sem padecer esse abalo emotivo. por isso, quando o candelabro de cristal que iluminava a sala se abateu sobre os dançantes, perante a consternação quase total, mais do que qualquer outra pessoa, friedrich aproximou-se dos corpos prostrados sob o lustre. o sangue estendeu-se em mancha sobre o soalho, contornando-lhe os sapatos. os corpos, dela e dele, iam ficando exangues. ele jazia. ela, chocada, ventilava com dificuldade evidente, através de sopros cortados e curtos. sem que alguém se apercebesse, simulando socorro, friedrich separou-lhes as mãos. depois retirou do peito dela um pendente do candelabro que aí se havia cravado, ao mesmo tempo que lhe deixou perceber a sua presença ali. o corpo dela estremeceu, como se indiciasse uma tentativa de esquiva. os seus olhos arregalaram-se. sem esforço, friedrich manietou-a, fingindo continuar o seu cuidado. depois debruçou-se sobre ela e murmurou-lhe sim, fui eu, meu amor, não foi um acidente. e, vigiando-lhe a agonia, guardou-a até expirar.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).