15.11.06
le bataclan asylum, # iv. uma lâmpada fluorescente, em instalação improvisada, providenciava a iluminação do gabinete do detective. um insecto atraído pela luz chocava repetidamente contra a gambiarra, como se, por instinto, fosse impelido a inseminar aquele branco baço. estava sozinho, como se desejava, recostado na cadeira. levantou-se. ergueu um vaso, o vaso da orgia. celebrou a carne e o molho. depois começou a gritar, morte aos redentores! mas não lhe bastou o clamor, pelo que argumentou, acuso os legisladores, cães de vício, de se fingirem livres e de quererem vincular todos à sua putativa liberdade. acuso-os de prostarem-se, como as bestas caudadas, e de quererem confinar a vontade de cada um de nós à sua vontade. passou a mão pelos lábios, livrando-os do excesso de saliva, e acrescentou, que sejam suprimidos os legisladores, falsos profetas, por pretenderem cumprir a função de uma inexistência, a regra única. arremessou o vaso contra o chão, partindo-o. no instante seguinte, tornou à sobriedade e calou-se. lançou os olhos sobre o espelho. e, ao mesmo tempo que se olhava através do reflexo, murmurou, como se estivesse a confidenciar a si, na minha carne é a minha dor apenas. por isso tomo-a a minha regra e nenhuma outra. sobre a secretária, havia uma culpa ainda por determinar, um dossier aberto. fechou-o. tornou a rescostar-se na cadeira, esticou as pernas e pousou as mãos, com os dedos entrelaçados, sobre o peito. posteriormente suspirou. e, sem destrinçar as mãos, consertou-as contra a nuca. mesmo após as ter lavado, ainda sentia nelas o perfume de lavanda.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).