7.10.06
le bataclan asylum, # iii. a dona do lupanar nunca consentiu a electrificação do estabelecimento. argumentava que a iluminação eléctrica era fria e destoava da decoração carmim bas-fond. as meninas rimam melhor sob a luz das velas. o tom das chamas trémulas permitia que, ali, as almas se disfarçassem com maior facilidade e irradiassem encanto. a essa luz os homens são mais cegos, libertam a imaginação, vêem o que desejam ver. uma das putas tinha uma cicatriz na face, mas a providência dos círios fazia-lhe uma beleza inverosímil, do que resultava ser uma das mais disputadas pelos clientes de primeira instância. eles vêem o que desejam ver, não o que se vê, o que está diante dos olhos. entretanto, lá em baixo, à porta do quarto redondo, estacionou-se uma sombra larga. então?, já chegou a alguma conclusão? o detective quase ignorou essa presença estranha, embora do corpo que fazia tal presença exalasse uma fragrância de lavanda forte. o espectáculo do apodrecimento da carne do cadáver havia soltado em si uma majestade de abutre. quão belo... arrebatado, susteve a respiração. também baixou os olhos, tentando livrar-se da sensação estranha que o dominava. ao mesmo tempo que sentia a volúpia da carne pútrida, sentia uma felicidade infame a instalar-se-lhe no corpo. o que observava exercia um fascínio magnético sobre si. e era isso, mais do que o imperativo de tranquilidade ou de expiação da culpa, que o fazia desejar ficar só. afaste-se!, não incomode!, necessito de solidão para desenvolver a investigação. estava preenchido por um efeito simultâneo de exaltação e de penitência e não conseguia harmonizar-se consigo. havia uma fraternidade interdita nos seus sentimentos que lhe exigia a entrega da alma, como se fosse ditada por um édito perpétuo e sem apelo. por que é que não me responde? o cheiro intenso da decomposição do cadáver parecia-lhe mais doce do que fétido. talvez por isso crescia-lhe e confirmava-se a necessidade de estar ali sem qualquer companhia, a absorver todo o quadro lúgubre que o envolvia.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).