16.9.06
le bataclan asylum, # i. sabes?, conhecia-o desde antes ele ser cadáver. as putas estavam no recobro. lá fora, o vento revolvia as poucas folhas de nespereira caídas no chão. era o prenúncio do outono. a luz já mais baça. o sol tépido, indolente. a monotonia das voltas e do ritmo dos corpo. setembro é assim. e então ele não era melhor do que é hoje. apenas por esse pormenor, e porque morto, o digo saudoso. soavam murmúrios. talvez fosse o ruído dos insectos em torno da carne, o festim da putrefacção. talvez. vencia a penumbra. o soalho rangia sob os passos. notava-se uma película de pó a cobrir a cómoda. passara algum tempo. sim, talvez. mas isso, agora, pouco importa. quanto tempo?, muito?, pouco?, dias?, semanas?, meses? o carácter nunca foi propriedade que o tivesse abonado. voltara o regime da cidade. para além disso, a necessidade permanente de coordenadas obrigava a precisar o momento da ocorrência. se havia caso, era fundamental encontrar resposta para a interrogação quando? quando é que aconteceu?, quando é que aconteceu exactameente? isso é um mistério. por conveniência, ignorância ou temor, nenhuma das putas se constituiu testemunha capaz de esclarecer o que havia acontecido. a dúvida tornou-se administrativa. morreu. o requiem, a oração de todas as mágoas por finados, demorou. e, enquanto demorou, repetiram-se lágrimas e lamentos, das putas e das outras, as carpideiras venturosas. sim, morreu, mas temos que esperar a certificação do seu óbito.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).