28.3.06
o lado nocturno da inocência. a têmpera da lua soltou a besta que a habitava. enquanto durou a noite, ela, ávida de carne e sangue, uivou e agitou as garras. os lobitos foram as suas presas preferenciais. chegada a aurora, com os avatares da manhã, ali já não existia qualquer escuteiro tenro e morno. foi quando ela colocou a capa sobre os ombros e o seu capuz de veludo escarlate sobre a cabeça, pegou na alcofa e se dirigiu para o bosque.
20.3.06
a expiação da bastardia. sobre o altar lúgubre, o sacerdote em ofício proferiu as palavras da liturgia, sei que desejas o hossana, a luz, mas, nesta masmorra, mandado pela glória desta egrégia casa, concedo-te a morte para a tua e para a nossa salvação. após estas palavras, com competência de magarefe, degolou o rapaz, recolheu o seu sangue numa selha e arremessou o corpo exangue sobre os outros cadáveres. depois ordenou o próximo! e mais um resíduo filial foi-lhe entregue para o devido reparo.
14.3.06
10.3.06
auto do que foi uma caminhada. o caso começou por ser um gesto de simpatia. mas depois de sentar-se ao seu lado, para ser levada à boleia, ela benzeu-se. ele procurou sondar os motivos daquele acto. ela explicou-lhe que, para além de ser hábito seu, aquele sinal garantia-lhe a intercessão da divina providência, mistério que se encarregaria de a transportar em segurança até ao destino pretendido. disse isto com encharcada convicção. se assim era, ele decidiu esperar para confirmar. quando demorada começou a ser a espera, quis a supersticiosa saber o motivo por que não arrancava ele com o carro. ele disse-lhe que esperava deus, por, presumira das palavras dela, ser não apenas combustível mais económico mas também melhor piloto. como deus não chegou entretanto e a noite já se prenunciava no horizonte, ela acabou por decidir ir a pé. entregou-se às suas pernas e foi. pelo caminho, entretida a debitar o rosário, sofreu uma entorse. e tombou sobre a valeta.
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