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atelier de domesticação de demónios

caderno de variações sobre dores em dó menor, por O Marquês. 

30.1.06


sinistrofilia. autêntico, ele parecia uma personagem de ballard. mais do que ninguém, sofria quando as circunstâncias - o desconhecimento das ocorrências ou a distância, sobretudo - não lhe permitiam gozar a contemplação dos destroços, imaginar in loco o roteiro de dor que lhes estava subjacente. para obviar a tais circunstâncias, ele ofereceu-se para ser bombeiro voluntário na corporação local. não pelo propósito de atender ou salvar vidas em risco. esse motivo jamais lhe pareceu meritório. mas porque, para além de se deslocar em viatura provida de rotativo e sirene - sinais que anunciam e orientam para a tragédia -, quem presta os primeiros-socorros tende a alcançar o cenário dos acidentes quando o sangue é de derrame fresco e os vagidos das vítimas, como litania de sofridos, ainda se ouvem.

referência

24.1.06


sultans of swing. nos bailes, os rapazes nunca perguntaram à jacinta a menina dança? para além de ser feia, a moça não primava pelo arranjo e, embora fosse asseada, tinha fama de viciosa, não seguro o proveito. sempre preterida, nunca convidada para dançar, o seu corpo jamais experimentou a vibração autêntica do swing. também por isso, jacinta não conheceu o sacramento matrimonial e dedicou-se à pedicure. ao tocar os pés das mulheres que lhe solicitavam os préstimos profissionais, jacinta muitas vezes imaginou-se a dançar, arrebatada pelos braços de um qualquer dançarino. em casa, sozinha, simulava passos e compassos de dança, guardada na esperança de um dia um rapaz lhe estender a mão, puxá-la para o centro do arraial e entreter-se com ela em voltas e volteios. por tardar esse dia, jacinta decidiu proporcionar mais oportunidades a si, através da diminuição da concorrência. durante algum tempo limitou-se a cortar, cerce, pés, fosse o direito, fosse o esquerdo, às raparigas solteiras. mais tarde, com a sensibilidade ecológica mais desperta, jacinta começou a aproveitar esses pés. e, envolvida por melodias e ritmos de benny carter, treinando passos de dança junto ao fogão, esmerou-se em mais do que foot massage, tratamento de calos ou limagem e pintura de unhas. apurou-se na confecção de pezinhos de coentrada. os rapazes, porém, como sultões, continuaram a não convidá-la para dançar. preferiram sempre outras.

referência

19.1.06


josefa come-olhos. josefa cegou por ocasião do seu sétimo aniversário. um acidente, nunca devidamente esclarecido pelos investigadores, remeteu-a para uma câmara de trevas permanentes, qualquer que fosse a luz que fulgisse fora dela. de josefa fugiu a visão, mas não o espírito. habitava-a um universo de memórias infantis, como se fosse um álbum de imagens, slides dos seus jogos e das suas brincadeiras de criança, e iluminada por essa inocência foi crescendo. dela quase nada se sabe. o mesmo acidente que lhe levou a visão levou-lhe também a parentela conhecida. em consequência, josefa foi amparada e acolhida por uma mulher estranha, abundante em virtude e temência ao da cruz, assim como ao pai e à mãe desse. foi essa mulher que a criou para mulher, enxotando-lhe os demónios que os seus olhos apagados às vezes deixavam entrar, para depois, afugentados, saírem em lágrimas. porém, pelo seu vigésimo primeiro aniversário, josefa tornou a ficar só no mundo. a tal mulher expirou. foi aquando esses entretantos que começou a faltar-lhe a memória do que era isso os olhos. tornou-se tal matéria obsessão sua. e, então, principiaram as vítimas. ela atraía alguém a um lugar ermo, sem vizinhança. invocando a sua cegueira, era-lhe fácil tal manobra. dizia que gostava que a levassem a sítios afastados, para poder sentir, ouvir, cheirar, tocar, provar, a paisagem. mas não era isso que ela pretendia. chegada ao recôndito destino, atacava com inclemência quem a acompanhava. procurava-lhe os olhos, ao mesmo tempo que imobilizava a vítima. sobre eles, os olhos da vítima, precipitava as mãos. josefa era cega, não surda. ouvia os gritos lacinantes e de aflição soprados pela criatura martirizada. já gozava bastante, ela, ao escutar tais gritos. mas, depois, resplandescia de modo superlativo ao sentir a ruptura do nervo óptico dos olhos que capturava. uma vez na sua mão, não demorava a oferecê-los à boca e a iniciar a respectiva mastigação. mastigava-os crus. como se fossem uma pastilha elástica. apenas numa circunstância tentou esse ingrediente numa sopa. mas foi caso único. alimentos caldosos nunca foram mania ou da predilecção de josefa.

referência

2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).