22.7.05
stairway to heaven. ele, o homem que odiava elevadores, era um pedreiro, dos verdadeiros, sem as manias dos que se dizem em francês, os maçons. todos aqueles que o conheciam gabavam-lhe a competência. todos aqueles que dele necessitavam disputam-no. nascera para erguer paredes. muros. nascera para fazer casas. obras. era a melhor das mãos, a fazer e a aplicar a massa, a utilizar o fio-de-prumo e o nível de bolha-de-ar. foi o sujeito que mais rápido ascendeu de servente a mestre. demorou três dias. menos tempo do que aquele que deus demorou a montar o mundo, porque um dos dias que mediou entre o seu início na arte e a sua ascensão a pedreiro classe gold foi feriado de ir à missa - portanto, foi um dia que não conta na contabilidade dos dias. embora o seu jeito profissional lhe valesse tanto no enchimento de alicerces quanto na postura de telhados, tanto no bruto quanto no reboco ou nos acabamentos, era a fazer escadas que o dito pedreiro mais se aplicava e investia o seu perfeccionismo. entre outras manias que vêm com o tempo, nicolau - assim se chamava o dito fulano - fazia escadas com degraus de altura assimétrica. porque, veio a saber-se mais tarde, ele gostava de observar as velhotas arroja-chinelo a precipitarem-se pelas escadas abaixo, até encontrarem chão fixo. o lugar onde vinteesete delas, avémariacheiadegraçaosenhoréconvoscoetcetera, chegaram já carcaça, cadáver.
7.7.05
crónica de uma dor anunciada. ela levou as mãos à face. descobriu lágrimas. porquê?, perguntou-se, mas não se demorou na interrogação. a culpa que a atormentava carecia de expiação. dentro de si pulsava a urgência. para alívio, recorreu a um expediente doméstico. torturou o amante. e, por esse gesto, perdoou-se.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).