6.9.04
a queda da dona maria antónia. ela sentou-se num banco, o do meio, um dos protegidos pela sombra. consertou-se com dificuldade. puxou as meias, esticando-as até ao limite, para segurar o frio fora de si. não estava frio, mas os muitos anos que lhe vergam o corpo já não lhe permitem o combustível vital da jovialidade. recostou-se, escorando-se sobre o braço direito, pois o banco não tinha apoio, espaldar. nessa posição disfarçou a corcunda acentuada que quase a vinca sobre si. segurou um jornal com a mão esquerda, ao nível dos olhos. e assim permaneceu, como uma estátua, a ler o jornal, até que, desamparada, caiu sobre a calçada da praça. os putos, que, próximos, jogavam à bola, riram. e não foram em socorro da velha. riram apenas. a inocência é assim. perversa e indolente. o marquês.
2004/2022 - O Marquês (danado por © sérgio faria).